terça-feira, 1 de outubro de 2013

PODER E POLÍTICA NOS CONSELHOS DE MEDICINA

 Dra. Patrícia Magalhães
Eu hoje me lembrei do sociólogo polonês Zygmut Bauman quando esse afirmava que “nós hipotecamos o futuro”. Creio que fizemos isso na Medicina brasileira quando entregamos as rédeas da condução das diretrizes da nossa profissão aos dirigentes dos conselhos regionais – tal qual, como cidadãos, fizemos com a classe política. Votamos em eleições obrigatórias, muitas vezes em candidatos “menos piores”, não nos questionamos quando vimos pessoas que não honravam o título de médicos não serem devidamente punidas, quando percebemos nossas condições de trabalho cada vez mais tornarem-se a “ausência de condições”- e nada, absolutamente nada, ser feito - e não nos indignamos quando descobrimos os absurdos praticados pelas cooperativas e planos de saúde com a anuência e o aplauso dos conselheiros. Aceitamos calados e omissos e continuamos, passivamente, pagando religiosamente nossas anuidades e procurando não infringir as normas de um código de ética que era simplesmente rasgado na nossa frente. Tenho quase 25 anos de profissão e há 18 não trabalho no SUS. Não sou membro de nenhuma cooperativa e nunca fui ligada a nenhuma operadora-exploradora de planos de saúde. Fui massacrada em virtude das minhas posições pessoais. “Não vai sobreviver”, “é impossível não atender convênios”, eram as frases que eu ouvia. Sobrevivi, e sobrevivo, com dignidade. Nunca precisei roubar, prostituir-me, ou ignorar meus valores morais.
 

Uma única vez, em dezembro de 2012, procurei o CRM MG para pedir ajuda. Fui ameaçada por um chefe (um administrador, não médico) em uma grande empresa onde trabalhava (uma das maiores empresas do mundo) que enviou-me um e-mail, no qual me proibia de “examinar, solicitar exames e receitar medicamentos” a qualquer funcionário desta empresa. Munida da prova, dirigi-me confiante ao CRMMG, certa de que seria “defendida” em meu direito de ser médica! Esperei horas para ser atendida por um conselheiro. Ele não me deixou sequer começar a contar minha história. Interrompeu-me e disse: “Vou chamar um colega que está mais apto a ajudá-la. Além de ser médico, ele é advogado”. Fiquei mais confiante e esperei. Enfim, pude contar o que vinha se passando comigo. Ao terminar minha narrativa este “conselheiro” teve a indecência de questionar-me por que, sendo eu uma pessoa com tantas tarefas a cumprir, ainda queria atender pacientes. Fiquei boquiaberta e quase respondi: será que é porque eu SOU médica e fui contratada justamente para sê-lo? Os funcionários da empresa não me procuram porque sou coordenadora, diretora, gestora ou seja lá o que for! Eles me procuram porque que eu sou “a médica”!

O conselheiro levantou-se, aconselhou-me a fazer um curso de Direito, ficou desfilando as maravilhas de ser um advogado e me disse que deixamos de ser profissionais liberais há muitos anos (só faltou me perguntar – “ainda não entendeu isto, imbecil?”), disse-me que a empresa estava certíssima em sua atitude, e retirou-se da sala deixando-me sozinha. Estupefata, e realmente sentindo-me uma idiota, saí do prédio do CRM e pedi demissão do emprego.

Pois bem, senhores “conselheiros”, agora é minha vez de afirmar que conselheiros de verdade vocês deixaram de ser há muito tempo (se é que algum dia o foram realmente). Nunca souberam o real significado do poder e da força política, que um dia tiveram em suas mãos, e que lhes foi legitimamente entregue pela classe médica. De uma forma bem simplista, primária até, vou lhes dizer: poder é a capacidade de fazer o que é preciso ser feito; política é a habilidade de decidir o que deve ser feito. Neste momento vocês demonstram que abriram mão de ambos os conceitos no que se refere à defesa dos ideais dos médicos deste país e dos nossos princípios éticos.

Sua única alternativa agora é fazer o que este conselheiro jamais deveria ter me sugerido: submeter-se e sair com o restinho de “poder e política” que o Ministério da Saúde ainda lhes deixou.

Belo Horizonte, 1º de outubro de 2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário