segunda-feira, 1 de abril de 2013

EU NASCI HÁ DEZ MIL ANOS ATRÁS

Crônicas MPB
Em um daqueles domingos de calor, com um sol para cada cabeça, ele começava mais um de seus concorridos sermões:
— Caros irmãos, que hoje seja mais um dia iluminado, na paz do senhor. — fez uma pequena pausa esperando um “amém” coletivo, mas como ele não veio resolveu continuar assim mesmo — Vocês sabem por que estamos aqui hoje?
— É por que não temos para onde ir, mestre? — perguntou um dos presentes.
— Não!  Errado, Mateus…
— Eu sei, mestre, eu sei!
— Pode falar, Lucas…
— Estamos aqui porque Moisés nos mandou! Acertei?
— Errou também, irmão. Moisés apenas indicou o caminho.
— Mais alguém se habilita? Ninguém quer compartilhar da sua sabedoria com o grupo? Na hora da ceia todos se engalfinham por um lugar, mas na hora do estudo quase ninguém quer participar!
Vendo que os demais permaneciam em silêncio, o pregador viu que teria, ele mesmo, que responder a própria pergunta.
— Nós estamos aqui reunidos por obra do pai. Ele quer que fiquemos juntos nesse momento de provação! Quer que não nos separemos e que sigamos em frente, mesmo que sejamos imperfeitos.  Entenderam?
O povo parecia estar meio disperso, alguns acenaram com a cabeça dando a entender que sim, outros faziam gestos que não puderam ser interpretados.  Pensou em desistir da pregação, mas como sabia da importância de sua missão, continuou.
­— Pois bem, agora que sabem porque aqui estamos, devem saber o que devemos fazer, não é?
— Fugir? — perguntou uma voz lá do fundo e que mal pôde ser ouvida devido aos cochichos dos presentes.
— Ficar quietos e não arrumar confusão? — perguntou um dos mais próximos ao mestre.
— Já sei! Guerra de comida! Guerra! Guerra! Guerra! — se pronunciou Pedro, aos berros, tentando inflamar a massa que se formou.
O grupo começou a ficar agitado e foi preciso uma intervenção do mestre para que tudo voltasse ao normal antes que as autoridades voltassem. Se aquela bagunça fosse percebida seria o fim das reuniões.
— Calem-se! — gritou o mestre — Não percebem o que estão fazendo? Estão agindo como loucos e isso despertará a violência contra nós!
— Mas, mestre… — um dos discípulos tentou argumentar.
— Chega! Nem mais um pio! Apesar de saber que todos somos filhos do grande pai, já que vocês não sabem se comportar, o único que falará sou eu!
Diante daquela opressão por parte do mestre o discípulo virou-lhe as costas e foi embora.
—Judas! Volte aqui agora! — ordenou, em vão, o mestre.
Outros presentes também resolveram se recolher, pois com o andar das horas muitos tinham seus compromissos com os familiares.
— Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos… — disse o mestre ao ver que metade da turma se dissipou.
­— Mestre, aproveitando que agora ficamos em menor número, poderia nos dizer o que devemos fazer? — questionou Tiago.
— Claro que sim! Devemos buscar a verdade, só ela nos libertará…
— Como assim, mestre? Um dia poderemos ser livres? — perguntou Simão.
— Para quem crê no pai, tudo é possível! Mas é preciso ter disciplina e seguir a sua palavra. Não podemos desobedecer as suas determinações e nem chamá-lo em vão, caso contrário não alcançaremos nunca a liberdade.
— E como o mestre sabe disso? — perguntou João.
— O pai fala comigo quase todo dia. Diz-me o que devo fazer e me adverte sobre as provações que terei que passar. — respondeu o mestre.
Ia recomeçar o seu sermão quando foi interrompido:
— Jesus! Ô Jesus… — uma voz chamava o mestre.
­— Sim, sou eu! O que tens para me dizer, Moisés?
— Trago um recado de seu pai.
— Impossível! Meu pai falará diretamente comigo mais tarde, não precisaria mandar um recado através de ti, Moisés!
— O recado é sobre isso mesmo. O seu Onofre disse que não poderá vir nesse horário de visita, mas que amanhã, sem falta, ele virá.
— Mas, Moisés…
— Ah, disse também para você se comportar conforme combinaram senão ele não trará o bolo de chocolate que sua mãe fez. Agora, vamos encerrar a pregação de hoje porque está na hora das visitas.
— Tudo bem, Moisés. Eu já terminei por hoje mesmo!
— Só mais uma coisa, Jesus… Me chame de enfermeiro Manoel. Eu prefiro.
E assim, mais um domingo de visitas da instituição destinada ao tratamento de deficientes intelectuais começava. 
F: naquelamesa.com

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