quinta-feira, 14 de março de 2013

NAQUELA MESA - DISCUSSÃO

DISCUSSÃO  - CRÔNICA
— Fernanda, senta aqui… — Pediu Mário, enquanto pensava exatamente em quais palavras usar na conversa que estava para acontecer.
— Agora não, Má! Não está vendo que estou ocupada?
— Você não está ocupada, está arrumando a cama, o que é uma das coisas mais estúpidas que alguém pode fazer. Se logo voltaremos para ela, não faz sentido algum arrumá-la!
— Que bobagem, eu gosto de chegar e ver ela arrumada! Qual o problema com isso?
Mário era um sujeito muito debochado, via graça em tudo, era capaz de divertir uma viúva em pleno enterro e naquele dia estava especialmente irônico.
— Problema, problema, não tem, só não faz sentido mesmo. Arrumar a cama só seria útil se fossemos vender ela para alguém! Aí sim, o sujeito chega, vê ela toda arrumada, e quem sabe topa pagar um preço maior. Mas, tudo bem, quando terminar, me avise.
— Só mais um instante e já vou…
Um instante é uma medida um tanto quanto variável, cada um define o tempo que leva. O instante de Fernanda levou cerca de uma hora e meia. Mário já tinha se cansado de esperar quando Fernanda finalmente resolveu ir até ele.
Chegando à sala encontrou-o em meio a uma partida de videogame. Mesmo percebendo o quão compenetrado estava, começou o sermão habitual quando o pegava jogando.
O marido, de propósito, continuou jogando como se Fernanda não estivesse lá. Nos trinta minutos que se seguiram, não teve trégua, ela já tinha estabelecido que o grande vilão do relacionamento fosse o maldito aparelho.
Vendo que ela não iria parar e nem se tocar que o tinha feito esperar por mais de uma hora, Mário desligou o videogame e disse:
— Agora que tenho sua atenção acho que é o momento de termos uma conversa.
Não foi preciso ser mais claro, o tom do início da conversa já demonstrava o teor do que viria. Fernanda, que estava em pé, sentou-se ao lado do marido.
— Acho que deveríamos dar um tempo.
— Mas, por quê? Está tudo tão bem entre nós, praticamente não brigamos…
— Você está certa, não brigamos. Você briga! Não importa pelo que, nos últimos tempos, qualquer coisa que aconteça leva a uma discussão da qual eu acabo preferindo ficar quieto para não aumentar o problema. Mas eu cansei!
— Não é bem assim, você está sendo injusto comigo!
— Queria estar, acredite. Mas, não estou! Agora mesmo, eu queria conversar e você me deixou plantado esperando por mais de uma hora, quando apareceu não esperou um minuto e quis me dar sermão sobre eu estar jogando. — e como não conseguia segurar a irônia, continuou — Coerência, cadê você? Não veio hoje?
— Não precisa ser irônico, Mário.
— Você tem razão novamente, eu não preciso, mas eu quero! Venho aguentando todo tipo de “pití” há meses. Daí hoje foi a gota d´água. Eu estava querendo conversar para tentar te mostrar o meu lado, mas você não deixou. Sendo assim, acho melhor darmos um tempo.
— Calma, Mário! E se eu me comprometer a melhorar, você revê sua decisão? Você sabe que eu te amo e não quero ficar longe de você.
— Você não aguenta, Fernanda. No primeiro sinal de fumaça o fogo já te consumiu.
— Experimenta! Anda! Pode me falar o que quiser, vou te mostrar como consigo me controlar.
— Se é assim que você quer, tudo bem, mas primeiro vamos tirar os objetos pontiagudos e pesados de perto. Posso começar?
— Pode!
— Você não acha que já está na hora de sua mãe dar jeito na vida? Ela só vive para encher a paciência da gente. Acho que já podemos parar de comer lá aos domingos, até porque, a comida dela é horrível. Tudo bem que é a sua mãe, mas pelo amor de Deus, Fernanda, ela não precisa ficar contando os casos amorosos que ela tem com a vizinhança como se fossem valer uma medalha…
— Continue, Mário, essa não passou nem raspando. Nem eu gosto da comida da minha mãe, só como para agradar.
— E aquela sua amiga, a Renata, gostaria que ela não viesse mais aqui em casa. Ela não tem modos, parece que veio sozinha ao mundo. Fora o fato de já ter saído com o batalhão inteiro do corpo de bombeiros aqui do lado. Eu sei, ela é gostosa demais, tem umas pernas, um par de peitos que deixam qualquer homem louco, mas não é por isso que precisa sair ofertando. Se não fosse o jeitão dela eu até que encararia, faz o meu tipo…
— Mário, eu sei que você detesta mulher oferecida, pode continuar, essa também não valeu.
— Você não acha que deveria procurar um emprego de verdade? Sério. Esse negócio de escrever blog não é emprego. Fica aí metida com esse bando de nerds o tempo todo. Evento disso, evento daquilo. Todo mundo sabe que esse pessoal de mídias sociais é tudo duro. Mendigos virtuais. Você não pode bobear que já te pedem cliques e “likes”. O pior é que você está se tornando um deles. Está chata demais!
Fernanda continuou sem esboçar um único franzir de testa, falar da mãe, da melhor amiga e do trabalho não a abalou em momento algum. O marido foi obrigado a se render, mas ficou feliz pelo avanço demonstrado pela esposa.
— Dou-me por satisfeito, Fernanda! E como prova de reconhecimento, põe uma roupa, vou te levar para jantar no Terraço Itália. Sei que você adora a vista daquele restaurante.
Passados cerca de quarenta minutos, nada da Fernanda estar pronta. Mário estranhou e perguntou o motivo da demora.
— Estou procurando uma blusa, Mário. Tem que ser aquela. Eu tinha deixado separado para uma ocasião especial e agora não a encontro.
— Vista outra e vamos embora. Se demorarmos muito vamos acabar ficando na fila de espera. O que essa blusa tem de tão especial?
— Homens são tão ignorantes… Ela me deixa magra, ora essa.
— Fernanda, preste atenção, uma blusa não é um manto mágico. Ela não irá te emagrecer. Pode pegar outra. — disse Mário, em tom de brincadeira.
Dessa vez, sem querer, Mário acabou despertando o que Fernanda tinha conseguido guardar. Ninguém foi jantar, mas os vizinhos puderam apreciar a maior briga que aquele casal já teve. As escolas deveriam ensinar aos meninos, já no primário, que não se brinca com o peso de uma mulher. 
F: Marcelo Vitorino 

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