quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

BISPOS SÃO CONTRA PROJETO DO DNOCS

O cronograma do Departamento Nacional de Obras Contras Secas (Dnocs) para a implantação do projeto do Perímetro Irrigado da Chapada do Apodi prevê, já a partir de janeiro de 2012, o pagamento das primeiras indenizações aos proprietário de terras que estão sendo desapropriadas.
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Segundo o mesmo cronograma, o início das obras está previsto para fevereiro de 2012. Mas o diretor geral do Dnocs, o ex-deputado Elias Fernandes, não confirma essa data. Ele diz que a determinação do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho,  é de se discutir o projeto a exaustão com os agricultores da região do Apodi. Por isso, a ordem de serviço não foi assinada em 28 de novembro, por ocasião da vinda da presidenta Dilma Roussef ao Rio Grande do Norte, onde visitou as obras do aeroporto de São Gonçalo do Amarante.

Mas, ele confirmou que o  contrato já foi assinado com o consórcio mineiro Sides, vencedor da licitação para a construção do canal de irrigação e outras obras do projeto irrigado do Vale do Apodi.

Enquanto se aguarda a ordem de serviço para início das obras, a Igreja Católica do Rio Grande do Norte emitiu nota assinada pelos bispos do Estado, dom Matias Patrício de Macêdo, arcebispo de Natal; dom Mariano Manzana, bispo da Diocese de Mossoró; dom Manoel Delson Pedreira da Cruz, bispo de Caicó; e dom Heitor de Araújo Sales, arcebispo emérito de Natal, manifestando a preocupação com projeto do Perímetro Irrigado de Apodi, que prevê a desapropriação de mais de 13 mil hectares de terras, ocupadas atualmente por pequenos proprietários que desenvolvem a Agricultura Familiar.

No documento, os representantes da Igreja Católica pedem a revogação do Decreto Nº 0-001 de 10 de junho de 2011, assinado pela presidente Dilma Rousseff, que prevê a desapropriação das áreas, atingindo centenas de pequenas famílias, incluindo alguns assentamentos do Crédito Fundiário. A decisão tem como base a Lei de Desapropriação por Interesse Público, que não aceita recurso jurídico por parte dos prejudicados.

A TRIBUNA DO NORTE tentou ouvir o clero, mas não obteve sucesso, pois dom Matias Patrício de Macedo havia viajado para o interior, assim como o bispo de Mossoró, bispo Mariano Manzana, também estava viajando pelo Alto Oeste em compromissos da Igreja. Já o governo estadual não quis se pronunciar por enquanto sobre uma obra que é do governo federal, assim como o secretário estadual da Agricultura, Betinho Rosado, estava com o telefone celular fora de área.

Elias Fernandes disse que "há muita desinformação" por trás de posições contrárias ao projeto, que contempla 95% dos lotes para pequenos agricultores, enquanto só 5% dos lotes são empresariais. "A maioria das pessoas que moram na região é favorável ao projeto, acho que há um equivoco da Igreja e não sei o que há por trás disso", afirmou ele.

"O que estão dizendo vai na contramão de tudo o que se dia da agricultura irrigada, que é produtiva quatro ou cinco vezes a da agricultura convencional", continuou Fernandes, para explicar que a primeira etapa do projeto é de 5.200 hectares e mais uma área de 20% de reserva legal, prevista pelo novo Código Florestal, que começou foi aprovado ontem, na Câmara dos Deputados: "A segunda etapa só sairá depois de concluída a transposição das águas do rio São Francisco".

egundo Fernandes, o projeto prevê a irrigação de terras por gotejamento e não vai comprometer, por exemplo, a oferta hídrica da Barragem de Santa Cruz para outros usos, como a distribuição de águas pelas adutoras para o consumo humano.

Ele informou que o projeto também prevê a alocação de 1 hectare de área irrigada para os oito assentamentos agrícolas do Incra, que ficam no entorno e não serão desalojados pelo projeto, inclusive com a garantia de água, que hoje só têm quando chove ou se perfura um poço a grande profundidade. "Todos os assentamentos vão ter ramais ligados ao canal principal do perímetro irrigado", informou o diretor geral do Dnocs.

Obras serão iniciadas em fevereiro
O projeto do Perímetro Irrigado do Apodi vai se utilizar, inicialmente, de 5.200 dos 13.855 hectares das terras a serem desapropriadas, dos 20% destina-se à reserva legal. O projeto executivo começa a ser elaborado em janeiro de 2012, com a distribuição de 555 lotes de tamanhos variáveis. As licenças ambientais foram entregues ao Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) no dia 27 de outubro pelo Instituto Estadual de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema-RN).

Quando estiver em plena atividade, o perímetro irrigado vai produzir banana, cacau, laranja, feijão, goiaba, mamão, melão, neem e uva. O diretor geral do Dnocs, Elias Fernandes, disse que a associação dos produtores é quem vai gerir o negócio - "é como se fosse um condomínio de moradores de um prédio, eles é que decidem tudo".

Além dos futuros proprietários dos lotes, o projeto vai atender com ramais a partir do canal principal de irrigação, os assentamentos rurais situados no seu entorno: Vila Nova, Soledade, Aurora da Serra, Moacir Lucena, Milagres, Laje do Meio e Frei Damião.

Entidades analisam nota dos bispos
A nota da Igreja Católica posicionando-se contra o modelo do projeto do perímetro irrigado do Vale do Apodi repercutiu no setor agrícola da economia do RN. Para Nilton Júnior, da Comissão Pastoral da Terra, não são todos os assuntos de fora da Igreja que conseguem a intervenção dos bispos. "É uma coisa inédita. Nos últimos anos, não tenho conhecimento de nenhum outro pronunciamento coletivo dos bispos com referência a assuntos externos", disse. Segundo ele, os movimentos sociais estão nessa luta há muito tempo, o pronunciamento dos bispos foi muito importante: "O projeto do Dnocs põem em risco a vida das pessoas e essa ação dos bispos servirá para reforçar a luta pela mudança do projeto junto ao Governo Federal", finalizou.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Apodi, Francisco Edílson Neto, disse que a nota é fundamental para consolidar a luta dos campesinos. Para ele, a união de todas as entidades ligadas ao campo foi fundamental para a repercussão da luta.

O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do  Norte (Fetarn), Ambrósio Lins do Nascimento, disse que a instituição "não é contra o sistema irrigado", mas é contra "a forma como ele está", pois abre a possibilidade do uso de agrotóxicos. Ele disse que dia 21 deste mês deve ir à Brasília para discutir o problema junto ao governo federal: "A gente também propõe mudanças que venham beneficiar a agricultura família sem expulsar as famílias que moram na região, preservando os projetos que já existem, como hortaliças irrigadas e a caprinocultura".

Para o presidente da Federação da Agricultura do RN (Faern), José Álvares Vieira, o projeto original contempla justamente os pequenos produtores rurais, pois dos 5.200 hectares a serem  usados, somente 240 hectares vai para o setor empresarial. "Venho percebendo que existe um radicalismo ideológico, o Brasil está  amadurecendo e precisamos deixar de lado a questão ideológica e buscar renda para o produtor rural, tirá-lo da miséria e não fazer dele massa de manobra", disse Vieira.

Segundo Vieira, quem for lá na região do Apodi, vai  verificar que o projeto é extraordinário e que até os assentamentos rurais são a favor dele: "Existe interesses de ongs por trás disso e que não vamos admitir a manipulação dos pequenos produtores rurais, porque não vejo onde está o erro desse projeto, o que vejo é interesse ideológico e politico em torno desse projeto da irrigação".

Confira a nota na íntegra:
Nota dos Bispos da Igreja Católica no RN sobre o Projeto de Irrigação do DNOCS para a Chapada do Apodi

A Igreja Católica no Rio Grande do Norte, ao tomar conhecimento do Projeto de irrigação que o DNOCS deseja implantar na Chapada do Apodi, amparado pelo Decreto Nº 0-001 de 10 de Junho de 2011, que torna de utilidade pública 13.855,13 hectares para fins de desapropriação, vem, através de seus Bispos, manifestar a sua preocupação acerca da implementação do referido Projeto.

Todos somos sabedores que, naquela região, se concentram as principais experiências de agroecologia e produção de alimentos da Agricultura Familiar Camponesa do nosso Estado. Essa realidade nos interpela para a consciência de se preservar o modo de viver destas comunidades, bem como a sadia qualidade de vida dessas famílias e do meio ambiente, sem interferir em suas práticas culturais e socioambientais.

Sabemos da grande importância do aproveitamento das águas da Barragem de Santa Cruz do Apodi, garantindo, em primeiro lugar, o abastecimento humano de todas as comunidades rurais e urbanas da região, como também na utilização para a produção de alimentos saudáveis, sem uso de agrotóxico, geração de emprego, renda, segurança e soberania alimentar para as famílias de agricultores/as familiares.

Após diálogo com as famílias na região, movimentos sociais, serviços e pastorais sociais da Igreja Católica, que há muitos anos atuam na Chapada do Apodi, compreendemos que a proposta de projeto defendida pelo DNCOS trará enormes prejuízos aos agricultores familiares ali residentes, pois terão de deixar suas casas e as terras, onde vivem há mais de um século, praticando agricultura baseada na agroecologia, para dar lugar a um grupo de empresas cujo modelo de produção baseia-se na monocultura e no uso intensivo de agrotóxico que, como sabemos, contamina a água, a terra e o ar, com consequências graves diretas na saúde das pessoas e no meio ambiente.

Lamentavelmente, ao alimentar esse padrão de desenvolvimento, o atual governo inviabiliza a justa prioridade que atribuiu ao combate à miséria em nosso país, tendo como eixo estruturante o crescimento econômico pela via da exportação de commodities. Esse padrão gera efeitos perversos que se alastram em cadeia sobre a nossa sociedade. Na Chapada do Apodi, a expressão mais visível da implantação dessa lógica econômica é a expropriação das populações de seus meios e modos de vida, acentuando os níveis de degradação ambiental, da pobreza e da contínua dependência desse importante segmento da sociedade potiguar às políticas sociais compensatórias.

Não temos dúvidas de que esse modelo, aqui adotado desde o início de nossa formação histórica, ganhou forte impulso nas últimas décadas com o alinhamento dos seguidos governos aos projetos expansivos do capital. Materialmente, ele se ancora na expansão do hidro agronegócio e em grandes projetos de infraestrutura implantados para favorecer a extração e o escoamento de riquezas naturais para os mercados globais.

A Igreja Católica, à luz de sua doutrina social, entende que a implantação de um projeto desta magnitude não pode ser motivada por uma lógica meramente econômica e produtivista, que não leva em consideração a proteção da vida humana e da sociobiodiversidade. Não temos o direito de subordinar a agenda do bem viver das comunidades campesinas à agenda econômica do modo de produção e consumo vigente.

Neste momento, como pastores do Povo de Deus, que está sob o nosso cuidado pastoral, somos chamados a ser solidários aos agricultores/as familiares da Chapada do Apodi e a sensibilizar o Governo Federal para REVOGAR o Decreto Nº 0-001 de 10 de Junho de 2011 e abrir diálogo na construção de novo projeto com os recursos já disponibilizados no PAC, que seja capaz de integrar a Chapada e Vale do Apodi visando fortalecer a agricultura familiar camponesa de base agroecologica, incluindo todos os assentamentos que estão nesta região.

Por fim, pedimos que Nossa Senhora da Apresentação, a Senhora Santana e Santa Luzia, padroeiras de nossas dioceses, intercedam junto a Deus para iluminar nossos governantes, para que promovam o bem comum, a paz e a justiça socioambiental.
Natal-RN, 05 de dezembro de 2011

Dom Matias Patrício de Macedo - Arcebispo Metropolitano de Natal; Dom Mariano Manzana - Bispo de Mossoró; Dom Manoel Delson Pedreira da Cruz - Bispo de Caicó;  Dom Heitor de Araújo Sales - Arcebispo Emérito de Natal
F: TN

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