quinta-feira, 5 de novembro de 2009

ENTREVISTA COM O DEPUTADO FEDERAL ROGÉRIO MARINHO (PSDB)



Entrevista com o Deputado Federal Rogério Marinho - Relator da PEC que retira a DRU da educação.

“Vai ter dinheiro, mas vai ter critério”
O deputado federal Rogério Marinho (PSDB/RN) comemorou na última quarta-feira, dia 27, a aprovação final, no Senado, da Proposta de Emenda à Constituição que determina o fim gradual da Desvinculação das Receitas da União (DRU), instrumento que permitia ao governo federal retirar até 20% dos recursos destinados à educação, para utilizar em outras finalidades. Relator da PEC, quando da passagem da proposta pela Câmara, ele fala sobre todas as mudanças conquistadas e os reflexos que deverão trazer ao ensino no país:
Entrevista:
Costuma se falar em uma perda de mais de R$ 100 bilhões para a educação, em decorrência da DRU. Como isso ocorreu?

A Desvinculação de Receitas da União foi um artifício legal que o governo criou em 1994, em decorrência da conjuntura da época, e que alterava a determinação constitucional de que 18% dos recursos da União e 25% dos estados e municípios efetivamente fossem gastos com a educação. Através desse artifício, ele retirou 20% dessa vinculação constitucional. Então, ao invés de se aplicar 18%, desde 1995 se aplica pouco mais de 14%. Para você ter uma ideia do que isso representou nesses 14 anos, no orçamento de 2009 da União esses 20% a menos de recursos representam R$ 10 bilhões. Então nesse período, para efeito de demonstração, foram cerca de R$ 140 bilhões retirados da educação.

Também ocorria nos Estados?
Não, só na União. Os Estados tentaram, mas não conseguiram aprovar uma DRE.Esse dinheiro desvinculado não podia inclusive sair de outras fontes para a educação?Pelo contrário, esses recursos serviam historicamente para fazer contingenciamento orçamentário, pagamento de déficit de previdência, pagamento de dívida interna e externa, pagamento de pessoal, investimentos em infra-estrutura, ou seja, outras ações que não relacionadas à educação.

E qual o resultado disso?
É que 14 anos depois temos índices de qualidade em educação extremamente ruins. O Brasil, em qualquer teste internacional de comparação, se situa nos último lugares, inclusive aqui na América Latina. Existe um teste reconhecido, o Pisa, que mostra que o Brasil nas áreas de Matemática, Português e Ciências está em 49º, 51º e 54º, entre 55 países. Esse é um retrato da educação brasileira. Muito ainda tem de se avançar para procurarmos a qualidade suficiente no nosso ensino, de forma que tenhamos condições de competir com mão-de-obra qualificada, nesse mundo globalizado.

E como foi discutida o fim da DRU?
Quando entramos na Câmara Federal, em 2007, nossa primeira ação foi propor uma emenda à constituição na qual propúnhamos a revinculação dos recursos ao orçamento da União. Alguns governistas já assinaram nos avisando que o governo não permitiria. O fato é que apresentamos o projeto e ele tramitou com celeridade porque foi apensado a um projeto maior que tratava da continuidade da CPMF e da DRU. Na oportunidade, foi constituída uma comissão especial de 18 membros e o partido me indicou. As discussões geraram um ambiente novo dentro da casa, porque dos 18 membros da comissão, 17 falavam de economia e eu falava só sobre educação. Ao final, o projeto do governo foi aprovado e o nosso rejeitado, mas a semente estava plantada e o assunto entrou em pauta.

E como o processo recomeçou?
Nós procuramos o senador Cristovam Buarque e propusemos a ele que o PDT, que tinha uma bancada de cinco senadores, colocasse como moeda de negociação a retirada da DRU para aprovar a CPMF. O governo fez o acordo com o PDT e isso significou a retirada da gaveta de um projeto de 2000, que tinha sido da senadora Ideli Salvatti. O projeto tramitou de forma vagarosa e foi aprovado no Senado apenas a revinculação dos recursos.

Já em 2008?
Isso. Chegou na Câmara em 2008, em torno do mês de agosto. E aconteceu uma situação inusitada, o então presidente Arlindo Chinaglia indicou para relator o deputado Antônio Biffi (PT), do Mato Grosso do Sul. Conversando com meus pares da comissão especial, solicitei a honra de ser o relator e isso foi decidido no voto. Recebi 14 votos, contra quatro do representante do PT, e fui escolhido no voto e não por indicação do presidente da casa, o que é uma situação impar.

Ainda assim o projeto tinha vindo do Senado incompleto?
Como o governo não aceitou os percentuais de 10% e 5% (para a queda gradual até zero da DRU), pediu para ser 12,5% e 5%. Já que ia haver essa alteração, propus um substitutivo bem mais amplo, mexendo com vários artigos da Constituição, que considero uma reforma substancial.
Mudamos, por exemplo, o artigo 208, que estipula a obrigatoriedade do ensino de 7 a 14 anos e nós propusemos, e foi aprovado, que essa obrigatoriedade passe a ser dos 4 a 17 anos, de forma gradativa até 2016.
Fizemos isso porque os números do IBGE mostram que 30% das crianças de 4 e 5 anos estão fora da escola e 18% dos jovens de 15 a 17 também. Isso dá um contingente de mais de 3,5 milhões de crianças e jovens fora das escolas.
Enquanto de 7 a 14 anos temos um índice de 97% de matrículas. Também colocamos que a universalização se dará com apoio técnico e financeiro do Governo Federal, porque quem vai construir escolas, contratar professores, fazer a manutenção desse sistema que vai receber mais 3,5 milhões de brasileiros serão os estados e municípios. Se a União fica com a maior parte do bolo tributário, deve fazer sua parte também. Ao mesmo tempo, já há o Fundeb, que amplia os recursos para toda Educação Básica, da pré-escola ao Ensino Médio, então nós aperfeiçoamos a Constituição para estar em consonância com a legislação do Fundeb, ao mesmo tempo que demos foco e destino aos recursos que virão com o fim da DRU.

Como assim?
Estamos dizendo: “olha, esse recurso vai para o MEC, para a educação, mas vai para corrigir a base”, pois hoje quase 50% do orçamento do MEC é para o Ensino Superior. A educação se corrige da pré-escola e dos quatro primeiros anos do Ensino Fundamental.

E o que mais foi mudado?
Ampliamos para toda a educação básica o atendimento dos programas suplementares de material didático, transporte, alimentação e saúde, que antes eram garantidos apenas para o Ensino Fundamental.

E os percentuais da redução da DRU foram mantidos em 12,5%, 5%, chegando a zero em 2011?
Sim, e a emenda à Constituição foi aprovada em dois turnos na Câmara e no Senado, por isso sequer vai para sanção do presidente. Tem vigência imediata e sem possibilidade de veto. Alteramos ainda a organização dos sistemas de ensino e que falava apenas do regime de colaboração entre estados e municípios. A União só podia fazer repasses a estados e municípios através dos fundos. A alteração que fizemos permitirá que o repasse de recursos possa ser feito diretamente, através de projetos que venham a ser apresentadas, de acordo com a regulamentação a ser feita pelo Ministério da Educação e o Congresso Nacional. Isso é importante, porque a União fica com cerca de 60% dos recursos e estava com as mãos livres em relação ao ensino básico no Brasil, por isso prioritariamente investe em Ensino Superior.

E quais as outras mudanças?
Incluímos no artigo que trata da distribuição dos recursos públicos duas palavras, que considero fundamentais: qualidade e equidade. Isso porque chegamos à universalização do ensino dos 7 aos 14 anos sem levar em consideração a evasão, repetência e abandono, que são problemas sérios. Então estamos colocando que os recursos serão distribuídos com o critério de qualidade, buscando mérito, resultados, metas, desde que haja uma contrapartida. E ainda a equidade, que tem tudo a ver com o pacto federativo. O Rio Grande do Norte tem uma per capita de investimentos em educação três vezes menor que a do Distrito Federal e duas vezes menor que a de São Paulo. Então, se estamos em um pacto federativo, a União tem de investir mais em quem pode menos. Não adianta só mais dinheiro.

É preciso saber investir e utilizar melhor?
Perfeitamente. Estamos dizendo que vai ter dinheiro, mas vai ter critério de qualidade e
de mérito para a aplicação dos recursos.

E como a sociedade pode participar e fiscalizar essa aplicação?
Primeiro, a partir da elaboração do Plano Nacional de Educação, o PNE, que está em discussão. Próximo ano ele estará na Câmara Federal com mecanismos de participação, através de conselhos, portais de transparência, para que a população possa acompanhar. Ainda transformamos esse Plano Nacional de Educação, que era quadrienal, em decenal. Com isso, ele extrapola o tempo de um governo qualquer e passa a ser uma política pública de estado, sociedade, nação, e não uma política de um partido, um governo. Educação é uma coisa muito séria para ser usada como massa de manobra. E através dos sistemas de avaliação, como era o Saeb e agora é o Ideb, a população pode acompanhar e comparar a proficiência da escola de seus filhos e cobrar melhorias na qualidade de ensino. Cobrar de professores, diretores e do Executivo, porque não basta a criança estar na escola, ter uma boa merenda, fardamento, merenda em casa, escola bonita, laboratórios, ela precisa ter a possibilidade de aprender, de sair dali qualificada, com conteúdo, para enfrentar o mercado de trabalho.

E as mudanças foram essas?
Remetemos ainda o estabelecimento de metas de aplicação de recursos do PIB na educação ao PNE. Em 2001, foi aprovado um percentual de 7% do PIB para a educação e esse percentual foi vetado pelo governo da época. Até hoje, passados oito anos, o veto ainda não foi colocado em votação e atualmente se aplica pouco mais de 4%. Se o percentual vier vinculado ao PNE, agora não vai poder ser vetado.

Haveria de onde tirar recursos para chegar aos 7%?
Não defendo que seja 7%. Se investirmos pelo menos 6%, 5,5%, estaremos em um nível adequado de melhoria e de manutenção de ensino para que sejamos um país em condições de competitividade

Nenhum comentário:

Postar um comentário